quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O futuro é sempre incerto

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"Eu bato o portão sem fazer alarde,
Eu levo a carteira de identidade,
Uma saideira, muita saudade,
E a leve impressão de que já vou tarde."
(Chico Buarque)
o

Para contar a história inteira é preciso, de início, elaborar um final.


- Nada... Eu queria que você tivesse ouvido.
- Então, você deveria me dizer.

Em silêncio, repito o que ouvi na primeira vez em que nos falamos.
Termino, como comecei.
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................................................................................Fim.
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................................O futuro é sempre incerto................................
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Nossas mãos se tocaram com cuidado, de repente, por um acaso que a gente provocou.
E aceitamos, em silêncio, um e outro, andarmos de mãos dadas, como se fossemos velhos conhecidos, enquanto, também não por acaso, avisávamos um para o outro que acabáramos de nos conhecer.
As mãos seguravam-se firmes, mas nem elas mesmas sabiam o porquê de agirem assim, e tímidas, soltaram-se, aos poucos, até que apenas as pontas dos dedos encontravam-se umas com as outras.
Seus dedos estavam na ponta da minha mão, minha mão, na ponta de seus dedos.
Um convite para sentar.
O banco de concreto no meio do jardim.
Tanta conversa para tão pouco assunto.
Tanto assunto para tão pouco (e ao mesmo tempo, tanto) tempo.
Pra que falar?
Um beijo na minha testa, nossas mãos estavam juntas,
um beijo na bochecha, a certeza de que nos beijaríamos:
nosso beijo, na boca.
Uma boca na boca do outro.
E os dedos, que as nossas mãos soltavam, nos tocavam com carinho.
Carinho: foi essa palavra que ouvi, enquanto a gente não falava nada.

- A gente nunca falou...
- ...te amo?
- ...
- ...volta?
-...
- ...adeus?
- ...
- Fala!
- Nada... Eu queria que você tivesse ouvido.
- Então, você deveria me dizer.

Em silêncio, repito o que ouvi na primeira vez em que nos falamos.
Termino, como comecei.

................................................................................Fim.
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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Coincidência

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"...e em mim o campo de silêncios e silêncios -
esse vazio cristalizado que tem dentro de si
espaço para se ir para sempre sem parar:
pois espelho é o espaço mais profundo que existe."
(Clarice Lispector)
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...
Coincidência: incidência de dois ou mais eventos em um mesmo tempo ou espaço...
...incidência de um mesmo evento em dois ou mais tempos ou espaços...

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Eu vivi.
Ele sonhou.
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Eu silenciei.
Ele escreveu.
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Ele expôs.
Eu assisti.
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Público dele:
espectadora de mim.
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Pois eram minhas aquelas palavras, aqueles gestos...
até as pausas eram minhas!
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O meu silêncio, na boca dele...

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Silenciar era um direito que eu me dava,
até a noite em que ele estreou o meu segredo.
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Onde foi que ele me ouviu?
Quem me sonhou no sonho dele?
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Não sei...
mas ele me contou a minha história,
e já não posso fingir que não vivi.
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quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Amizade

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"Amigo, pra mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos os sacrifícios."
(Guimarães Rosa)
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Apenas amigos.
Mas a que penas?
Amigos, sem sangue do meu sangue, sem aliança de compromisso.

Para poder procurar de madrugada.
Para poder não procurar nunca mais...

...e procurar – ou encontrar – por acaso – depois de anos...
e ser lembrado.

Amigo para poder ser lembrado:
o aniversário, o segredo, o gosto.

Para poder não ser para sempre.
Para poder sempre voltar:
para o teu prazer...

Prazer, esse é o meu amigo.
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