sexta-feira, 17 de abril de 2009

Corpos

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"O jovem poeta deve fazer uma espécie de violência
contra si mesmo para sair da mera idéia geral.
Não há dúvida de que isso é difícil
mas é a própria arte de viver."
(Goethe)
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Dos escombros do edifício consumido pelas chamas, retiraram os corpos.
Aliviados da dor, não reagiam ao peso de toda uma construção que desabara sobre eles.
Inertes, sustentavam escombros.
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Não foram esmagados.
Um olhar cuidadoso reconheceria ali a forma humana.
O sangue dentro deles perdia-se de caminho:
as fissuras, multiplicadas, o desviavam da rota conhecida.
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Como todos os corpos, esses também tinham seus buracos.
Preenchidos os buracos, os corpos passaram a carregar em si apenas um resto de sangue, estancado.
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Ao serem velados,
expunham-se em crua frieza,
e quando nos aproximávamos para um beijo quente em suas mãos,
sussurravam:
- Somos corpos.
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Essa era a verdade que eles continham.
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Frios ou quentes,
somos corpos.
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Velados ou expostos,
somos corpos.
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Como todos os corpos, nós também temos nossos buracos.
Abertos, nos mantém respirando,
e renovam um sangue em constante movimento.
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Também nosso sangue por vezes se perde,
também as construções desabam sobre nós.
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Mas deixemos o alívio para os corpos, dos escombros, retirados sem vida!
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Nos corpos abertos dos vivos,
o peso da construção desabada ainda dói.
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