sábado, 27 de fevereiro de 2010

Nascimento

"Vivemos o luto em criação, não por clareza de sentido, mas pela necessidade de colocarmos a dor em movimento. (...) Há anos o pai faleceu. De tanta dor, deram uma festa."
(Ana Cristina Colla)




Pra minha Vó Josefina.


Muita gente nesse mundo nasce sem pai nem mãe, mas nunca ouvi falar de alguém que nascesse sem vó.
Sem vó o nascimento se faz impossível.

Óvulo fecundado, gestação completa, contração, dilatação, parto, choro, leite, tudo isso mãe garante, mas o nascimento propriamente é no colo da casa da vó que se dá.

Professor ensina a ler.
Padre ensina a rezar.
Patrão a obedecer e trabalhar.
Mãe e pai ensinam a andar, vestir, comer, falar.

Mas vó  - e vô, que sem ele não há ela -
ensinam a lição primeira -
ensinam a morrer.

Todo nascido neto de avó - que é o que todo bicho é  - aprende primeiro a morrer, e só então nasce e aprende todo aquele resto das coisas que qualquer um pode ensinar.

Por isso é tão triste não aprender a morte e ficar vagando por aí até morrer sem saber, acendendo vela, tocando sino, fazendo escândalo de susto de uma coisa tão bonita: de uma última página de livro, de última linha de história, que quaquer neto nascido pode recomeçar a contar.

Desconhecida, silenciosa, discreta, a morte aprendida  tem som e cor, sabor e cheiro: de café e não de flor, de terra e não de madeira.

Morte aprendida é nascimento, não um segundo, pra outra vida, mas o único e o primeiro.