terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Narciso


"Quero o que está em mim; posse que me faz pobre.
Oh! Se eu pudesse separar-me de meu corpo!
Desejo insólito: querer longe o que amamos!"

(Ovídio)


À natureza, não foi dada a honra
de conhecer seu próprio espetáculo,
pois a si mesmo,
nada pode ser espetacular.

O espetáculo só é grandioso ao olhar do outro.

A natureza somente a seu reflexo conhece,
sem susto, sem desejo, sem paixão.

Sem possuir-se, a natureza contenta-se em conter-se:
desconhecida de si, estranha, oculta.

Mas "é que Narciso acha feio o que não é espelho"
e a seu olhar nada mais pode ser espetacular.
Entorpecido de si, busca nele o espetáculo,
e especula o universo refletido, que encontra ao fundo do espelho.

Sim, seu corpo envolve o espetáculo.
Estrelas incandescentes brilham dentro de si.

Insuportável poder,
insuportável prazer lhe garante essa beleza.
Insuportável pobreza, terrível espetáculo,
reconhecer dentro de si, o universo,
e não poder admirar-se em tudo o que há no mundo,
pois tudo o que há no mundo já é reflexo seu.

Individual e cruel é a sina de Narciso:
ser o outro,
saber-se o outro,
sem jamais o poder tocar.

Reconhecer-se no outro,
entorpecer-se do outro,
e ser incapaz de desejá-lo mais do que a si.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Religare

"'O reino de Deus está dentro de vós'. Este foi o ensinamento, o único ensinamento do mundo. Jesus falou assim, Buda falou assim, Hegel falou assim, cada um dentro da sua teologia. Para cada indivíduo, a única coisa importante no mundo é o seu próprio interior, sua alma, sua capacidade de amar. Quando esta está em ordem, pode-se comer canjica ou bolo, usar trapos ou jóias, então o mundo está em uníssono com a alma, é bom, está em ordem."

(Hermann Hesse) 

Há um elo quebrado dentro de mim.

Há dentro de mim duas metades do elo que me prenderá a vida
e me permitirá reconhecer os guias que me levarão ao destino e a Deus.

Uma terrível liberdade, deles me desvia,
e ao mesmo tempo, me aproxima.

Uma terrível liberdade me leva a experimentar a solidão:
não a solidão dos fracassados, acompanhados da multidão que os condena,
mas a solidão do caminho do herói que ainda não encontrou seus guias.

Há um elo quebrado dentro de mim
e esse elo é a chave para a terra prometida.

No outro reconhecerei a parte que me falta.
No outro reconhecerei o amor que devo ter por mim.

Amar ou enlouquecer, ou jamais encontrar a Deus.
Amar ou enlouquecer, ou o eterno pavor de ser feliz.

Sobre os meus estados de ausência

"Desde minha juventude, tenho o hábito de desaparecer de tempos em tempos e de mergulhar em outros mundos para refazer-me; então, costumavam procurar-me e, depois de algum tempo, declaravam-me desaparecido e, quando eu finalmente retornava sempre achava divertido ouvir os julgamentos da dita ciência sobre a minha pessoa e os meus "estados" de ausência ou sonolência."

(Hermann Hesse)



Afastar-se de si, e dos outros,
para, ausente, sobreviver:
de Eco o destino cumprir
sem corpo,
ou sem voz,
outra infância aceitar viver.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Fragmentos daquele seu segredo


É o preço da linha tênue: 
avistar ambos os mundos, sem jamais, de fato, os tocar.
(Janeiro/2013)


Por isso é tão triste não aprender a morte e ficar vagando por aí até morrer sem saber, acendendo vela, tocando sino, fazendo escândalo de susto de uma coisa tão bonita: de uma última página de livro, de última linha de história, que qualquer neto nascido pode recomeçar a contar.
(janeiro/2010)

Talvez tudo seja espelho.
Talvez tudo que eu olho, seja reflexo meu.
(outubro/2009)

É um perigo tropeçar com vela na mão: um descuido e ateia-se fogo a tudo.
(outubro/2009)

Também nosso sangue por vezes se perde,
também as construções desabam sobre nós.
(abril/2009)

O silêncio falava o quanto era ela impotente: 
ninguém pode pedir ao silêncio que se cale.
(março/2009)

Às vezes, aquilo que me falta é o que eu tenho de mais denso.
(fevereiro/2009)

Mais feliz do que aquele que acredita sem ver é aquele que observa.
(janeiro/2009)

Justo o tempo que eu não tenho é o que me sobra para escrever.
(dezembro/2008)

Não ter religião é conviver com a insuficiência das poucas respostas que temos.
(novembro/2008)

A espera coloca uma vida possível num futuro que talvez não possa ser;
o aguardo guarda o melhor de mim para ser vivido depois.

(novembro/2008)

Tenho pavor de ser feliz.
(novembro/2008)

Conhecer os limites do meu desenho, dá liberdade ao meu pincel: se sou livre, minha laranja pode ser azul, minhas violetas cor de abóbora e as rosas vermelhas, brancas, amarelas e até lilases.
As cores do meu mundo, sou eu que sei.

(agosto/2008)

E o silêncio é a mais sincera das respostas.
(agosto/2008)

Eu gosto do silêncio que precede a fala, ou que paira depois do amor... com ele eu tenho toda a paciência que o mundo exige, que a vida e a alma pedem.
(junho/2008)

Tem uma festa-surpresa dentro de mim...
(junho/2008)

Para uma depressão falta só o mais importante: a tristeza. (...) Mas ainda dói...ainda bem!
(maio/2008)

Eu só sou na corda bamba, na dúvida, no quase, no ponto de interrogação, nas reticências, na incerteza, no calafrio...nas várias perguntas.
(maio/2008)

Para mim, é sempre mais fácil cumprir as promessas que não faço.
(fevereiro/2008)

Aos poucos encontro o chão: aquele em que eu piso, e aquele que eu sempre fui.
(outubro/2007)

O segredo que guardo, guardo dela, e ela só pode desvendar sozinha, por isso é que jamais eu o escreveria aqui.
(Primeira postagem -agosto/2007)