sábado, 30 de agosto de 2008

Pacto

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"O silêncio é tal que nem o pensamento pensa."
(Clarice Lispector)
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Há entre nós uma única regra: não grite.
O silêncio é entre nós um direito.
O silêncio é para nós um dever.
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Mas tudo que é vivo quebra a regra e grita.
E não há cadeia que silencie o grito de quem rompeu com a Lei:
o grito da criança, do louco, do bandido;
o grito que irrita, que desorganiza, que apavora...
grito que aterroriza para sempre os ouvidos dos obedientes,
até que chegue para eles o dia do grito que ninguém cala,
e rompam toda a fidelidade, com a mudez sonora da agonia que lhes couber.
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Só quem ouve esse último grito, escuta o que uma vida inteira emudece...
e enforcado,
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grita!
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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Tempo

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"...desacreditar do mistério, acelerar o tempo.
Acima de tudo, somos indelicados com o tempo."
(Maria Rita Kehl)
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Passa o menino-homem pela vida, correndo.
- Onde pensa que vai com tanta pressa? - pergunta o tempo, com uma voz tão alta que lhe interrompe.
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Interrompido, ele responde.
Toda parada já é em si uma resposta, cheia de silêncio.
E o silêncio é a mais sincera das respostas.
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Com sinceridade, o menino-homem silencia esse "não sei" e percebe que um "...eu nunca tinha parado para pensar..." justificaria com humildade a ignorância interrompida, filha de sua velocidade.
Ele tanto corre, que nunca sabe.
Nunca sabe onde pensa que vai...
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Corre, não pensa.
Corre, não vai...
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Foi a pressa do menino-homem, que fez o tempo lhe parar.
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Ou se corre ou se vai...
Ir exige tempo e, acima de tudo, delicadeza.
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quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O eu pintor

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"Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori, as minhas mãos e as tuas."
(Carlos Pena Filho)
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Se o mundo vai bem ou mal, sou eu que sei.
O mundo é desenho em branco - quem pinta sou eu.
Artista leva tempo - talvez a vida inteira - para aprender a lidar com tinta.
Às vezes quer pintar o sol de amarelo e borra as nuvens: o céu fica todo amarelo e já nem parece céu ou parece pôr-do-sol ou noite de ano-novo ou céu em tempo de guerra...

Mas de que importa?
O que parece o céu que eu borro com meu pincel, sou eu que sei.
Outros verão outros céus amarelos.
Se eu pinto verde o caule da flor e o sangue da mão da menina de vermelho, lembrando de colori-la com a tinta cor da pele, provo minha sabedoria, mas quando toda laranja que eu como é laranja, as violetas na minha janela, sempre violetas e a única rosa de que sou capaz é a cor de rosa, então adoeci.
É tênue, e ao mesmo tempo evidente, o que distingue o artista sábio do artista que enlouqueceu.
Conhecer os limites do meu desenho, dá liberdade ao meu pincel: se sou livre, minha laranja pode ser azul, minhas violetas cor de abóbora e as rosas vermelhas, brancas, amarelas e até lilases.
As cores do meu mundo, sou eu que sei.
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