terça-feira, 23 de outubro de 2007

Sexta-feira

"Cada um de nós é uma ilha, e uma nau de salvação"
(Da peça "Sexta-feira", inspirada na na obra "As aventuras de Robinson Crusoé", de Daniel DeFoe)
Logo na primeira semana que estive aqui no Porto, fui, na sexta-feira, assistir a um espetáculo teatral de rua, cujo título era o mesmo nome do dia da semana em que estávamos. Eram quatro atores, que nada falavam, apenas atuavam tendo como objetos cênicos milhares de sacolinhas de plástico. Os espectadores, ao chegarem, recebiam fones de ouvido, por onde ouvia-se um texto, baseado na história de Robinson Crusoé, que casava perfeitamente com o movimento dos atores em cena.
A última frase do texto ressoou diversas vezes enquanto os atores amarravam nos espectadores as sacolinhas de plástico, e amarravam, por vezes, uns aos outros: "Cada um de nós é uma ilha, e uma nau de salvação." O texto me trouxe diversos pensamentos, fiquei pesarosa por não escrevê-los naquela mesma noite, mas não podia parar para escrever, pois estava com um grupo de pessoas e havia mais o que fazer... Fomos passear a beira do Douro: eu, outros três brasileiros, um espanhol e um português. Todos amigos de um ou dois dias.
Cada um de nós é uma ilha...
Não foi pena eu não ter me sentado a relatar. A frase e os pensamentos que ela evocara não me sairam da cabeça ao longo desse mês...
...e uma nau de salvação.
Ser estrangeiro é uma boa condição para pensar sobre ilhas. Estar entre estrangeiros é uma boa situação para pensar em naus de salvação. Naus que nos levam ora a outras ilhas, ora a terra firme, ao porto seguro, a terra próxima daquela de onde viemos, ou que nos levam, por vezes, a ilha que nós mesmos somos (isso porque não é raro, aliás é muito comum, sermos náufragos em nós mesmos).
É curioso ser ao mesmo tempo tempo a ilha e a nau. É contraditório, no mínimo. Mas é isso mesmo que somos. Partindo desta contradição podemos navegar pelos pensamentos mais diversos, mas meu momento me põe a pensar no ser estrangeiro, no estar em em terras em que eu sou estranha: eu sou terra cercada de água por todos os lados. O que me salva, são as naus que tenho encontrado.
Sempre fui de ter muitos amigos, muita gente diferente por perto - e ultimamente isso tinha ainda se acentuado. De repente, me vi como que sem amigos, meu celular (hoje, um telemóvel) já não tinha quase nenhum contato. Era eu agora uma ilha (não que antes eu não fosse, mas cercada de outras ilhas, não conseguia ver que nunca foramos um grande continente)! Como seria essa experiência? Me surpreendi. Logo, vieram salvar-me: as naus das outras ilhas (ora brasileiras, ora portuguesas, ora nem um nem outro) e a nau que eu mesma sou.
Além mar, estou navegando, ora no mar que eu sou, ora no mar que são os outros.
Aos poucos encontro o chão: aquele em que eu piso, e aquele que eu sempre fui.
Eu volto....

Nenhum comentário: