terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Narciso


"Quero o que está em mim; posse que me faz pobre.
Oh! Se eu pudesse separar-me de meu corpo!
Desejo insólito: querer longe o que amamos!"

(Ovídio)


À natureza, não foi dada a honra
de conhecer seu próprio espetáculo,
pois a si mesmo,
nada pode ser espetacular.

O espetáculo só é grandioso ao olhar do outro.

A natureza somente a seu reflexo conhece,
sem susto, sem desejo, sem paixão.

Sem possuir-se, a natureza contenta-se em conter-se:
desconhecida de si, estranha, oculta.

Mas "é que Narciso acha feio o que não é espelho"
e a seu olhar nada mais pode ser espetacular.
Entorpecido de si, busca nele o espetáculo,
e especula o universo refletido, que encontra ao fundo do espelho.

Sim, seu corpo envolve o espetáculo.
Estrelas incandescentes brilham dentro de si.

Insuportável poder,
insuportável prazer lhe garante essa beleza.
Insuportável pobreza, terrível espetáculo,
reconhecer dentro de si, o universo,
e não poder admirar-se em tudo o que há no mundo,
pois tudo o que há no mundo já é reflexo seu.

Individual e cruel é a sina de Narciso:
ser o outro,
saber-se o outro,
sem jamais o poder tocar.

Reconhecer-se no outro,
entorpecer-se do outro,
e ser incapaz de desejá-lo mais do que a si.

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