segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Dores de parto


"...era fácil se perder por entre os sonhos,
e deixar o coração sangrando até enlouquecer."
(Filipe Catto)



Com força, ela batia e repetia,
com a crueldade das vozes que ressoam de dentro:

“Engole esse choro."
“Engole esse choro, menina.”
“Engole-esse-choro!”

Sabedoria de mãe:
“Engole esse choro! Rápido, engole esse choro!”

... que dói demais te ouvir chorar assim.

“Tudo tem limite!”

Engoli,
engoli.

Pela faringe desceu amargo,
alojou-se no meu pulmão.
Fez faltar-me o fôlego.
Fez faltar-me a voz.

Por anos, tenho gestado o choro engolido.
Por anos, em silêncio, o alimento nos pulmões.

Já me vêm as contrações, há alguns dias.

Um dia, em um ato de coragem involuntária,
por instinto, farei força.

Sim, as dores de parto os farão nascer.

Nesse dia, pedirei a ela que retorne e me venha ensinar.
Sozinha, com o grito nas mãos,
esperarei que ela me salve, a mim e ao recém-gritado.

Espero que ela venha antes
que em desespero dele eu me desfaça.

Espero que ela venha,
pois não saberei contê-lo,
pois em meus braços ele gritará demais.

Espero que ela venha,
me contenha,
nos interdite,
ou me ensine como bater e gritar até que ele se engula.

Sozinha, não saberei impor os limites.
E se ele os atravessar, sangraremos para sempre.

Uma coisa, o tempo me ensinou:
nossos gritos são gestados nos pulmões.

Um comentário:

Anônimo disse...

Dói de ler, mas muitas vezes, só com a dor se consegue compreender alguns processos....e não há como evitar, é deixar a dor entrar....