terça-feira, 27 de maio de 2008

Na corda bamba

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"Eu sou uma pergunta." (Clarice Lispector)
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Estava eu caminhando entre um compromisso e outro: aprender uma outra língua, organizar uma nova festa, fazer uma revolução - quando vejo que há muito que minha agenda é a mesma. Embora a capa mude a cada ano, o conteúdo é sempre o mesmo: eu estudo, eu organizo, eu tento revolucionar; entro em contato com o que é diferente, me divirto e tento revolucionar; eu aprendo, desaprendo, e tento...
Eu me senti sozinha e achei absurdo. Cada dia mais acompanhada, mais bem acompanhada, tão acompanhada que nem tenho tido tempo para as minhas companhias! Por que sentir-se sozinha? Porque quero justo a companhia daqueles que não estão mais aqui - eu sei quem são, sei onde estão e sei que estão longe. Só eles entenderiam o que eu quero - e preciso - dizer.
Daí eu penso que outros podem vir , não substituí-los, mas unirem-se a eles, serem novos na minha curta lista dos que entendem o que eu olho - porque com eles eu nunca precisei falar. Serem outros dentre os que eu amo com admiração e cumplicidade. Eu amei muitos outros, admirei outros tantos e fui cúmplice de alguns. Mas amar - sempre - com admiração e cumplicidade só a eles. E eles estão tão longe, seja no tempo, seja no espaço...
Então eu me sinto sozinha.
Mas é preciso continuar organizando, aprendendo, revolucionando... pois meu próximo compromisso me espera... E eu que há muito tenho querido ficar em silêncio, deixar que outros organizem a revolução ou que as coisas simplesmente continuem como estão... Aprender em silêncio. Não ter nem mesmo que organizar meu futuro ou que revolucionar a minha vida.
É difícil planejar tão longe deles. Porque embora os meus roteiros não coincidam com os deles eu tento sempre planejar que os nossos caminhos se cruzem outra vez. Mas eu sei que só nos meus caminhos eu encontro os meus amores cúmplices e admiráveis.
Se eu não amasse tanto, seria mais fácil caminhar, mas não teria o frio na barriga, não teriam os nós que a minha vida tem...eu não seria tão única e tão bamba.
Foi então que eu me senti na corda bamba, sem eles ou com eles - porque não houve tempo em que precisasse mais me equilibrar, senão aquele em que eu estive acompanhada dos meus amores - na corda bamba sempre. Eu só sou na corda bamba, na dúvida, no quase, no ponto de interrogação, nas reticências, na incerteza, no calafrio...nas várias perguntas.
Cheguei a mesma conclusão de Clarice, na impressão de que chegaria lá sozinha, ainda que ela não tivesse pensado essa frase antes. Será que eu chegaria a saber algo sobre mim sozinha, sem que alguém já o tivesse sabido antes? Isso eu nunca vou saber...
Eu não conheci a Clarice, mas a amaria com cumplicidade e admiração se a tivesse conhecido.
Meus amores, eu estou com saudade de vocês!
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Um comentário:

-d.c.- disse...

"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida." (c.l.)

imagino a nau que te leva: estou na nau ao lado... (d.)