quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Desnível

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"Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo
que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?)
Dais para o mistério de uma rua cruzada
constantemente por gente,
Para uma rua inacessível
a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real,
certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas
por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo
pela estrada do nada."
(Fernando Pessoa)
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O chão tinha dois níveis, eu andava sempre a tropeçar. Carregava vela que me iluminasse o passo, mas tudo que eu conseguia era uma luz tênue que não me permitia nem enxergar com clareza, nem me acostumar à escuridão.

(Onde?
Em que sentido caminhar?)

A atmosfera de sonho enchia aquela realidade e os passos ficavam cada vez mais...
(novo tropeço!)

(É um perigo tropeçar com vela na mão: um descuido e ateia-se fogo a tudo.)

De repente, um outro no mesmo caminho, em direção oposta a minha, também a andar aos tropeções.

(Encontro com o outro neste mundo em desnível e onde pouco se vê, provoca susto.)

(Para ele, eu só posso ser assombração, vulto que caminha sob luz tênue, com dificuldade.)
(E para mim, que coisa que sou?)

Tropecei, o outro tropeçou também.
(E para mim, que coisa o outro é?)

(Talvez tudo seja espelho.
Talvez tudo que eu olho, seja reflexo meu.)
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Um comentário:

-d.c.- disse...

(conseguirias, tu, amar àquele que sabe-se ser apenas na obscuridade e em pleno meio dia de trevas, quando tu, em desequilíbrio se desespera?)